Figura 1 – Considerações sobre a pressão de enchimento dos pneus em métodos de dimensionamento de pavimentos
O dimensionamento de pavimentos consiste em determinar a espessura das camadas para resistir uma certa solicitação durante um horizonte de projeto. Diversas variáveis precisam ser estudadas para que o projeto atinja o seu objetivo principal e proporcione segurança e conforto ao usuário. Contudo, um dos maiores motivos de reclamação em cidades é a presença de buracos nas vias. A verdade é que existem diversos motivos pelos quais a vida útil de um pavimento pode ser influenciada. Este artigo não tem como objetivo esgotar todo o assunto, mas sim apresentar um motivo que pode estar prejudicando o desempenho dos pavimentos rodoviários.
Durante o período de projeto de um pavimento rodoviário, existem diversos tipos de eixos e diferentes configurações de carga que podem solicitar a estrutura. Dessa forma, é necessário que os diferentes eixos sejam analisados em função de um mesmo referencial. O chamado eixo rodoviário padrão foi estabelecido no final da década de 1950 durante as pesquisas desenvolvidas nas pistas experimentais da AASHO e que tinham como objetivo entender o dano causado pelo tráfego nos pavimentos. Você pode ler mais sobre as pistas experimentais da AASHO em um artigo específico no Além da Inércia clicando aqui.
O eixo rodoviário padrão consiste em um eixo simples de rodas duplas, com carga de 80kN e pressão de enchimento dos pneus de 560kPa (80psi), conforme a Figura 2. E é justamente aqui que encontramos uma variável que interfere no desempenho dos pavimentos rodoviários, a pressão de enchimento dos pneus. Quando o eixo rodoviário padrão foi estabelecido, os pneus apresentavam uma forma de construção chamada de diagonal. Segundo Wong (2001), os pneus de construção diagonal são aqueles que apresentam duas ou mais telas com cintas em camadas de direção opostas, o que resulta em deformações na superfície de contato pneu-pavimento. Com o avanço da tecnologia, surgiram os chamados pneus de construção radial e que, segundo Wong (2001), apresentam menor consumo de combustível e vida útil maior.
Figura 2 – Configuração do Eixo Rodoviário Padrão
A forma de construção do pneu está diretamente relacionada com a pressão de enchimento utilizada. Enquanto os pneus diagonais têm como recomendação do fabricante a pressão da ordem de 560kPa, os pneus de construção radial apresentam pressões típicas de 840kPa. Ou seja, a pressão de enchimento dos pneus utilizada no eixo rodoviário padrão é na verdade uma variável que depende do tipo de pneu.
Em diversos países a pressão de enchimento dos pneus do eixo rodoviário padrão foi modificada com o passar dos anos. Na Austrália, a pesquisa realizada por Chowdhury e Rallings (1994) mostrou que a pressão de enchimento dos pneus variava de 500 a 1200kPa, sendo as maiores frequências observadas entre 725 e 750kPa. Com base na pesquisa, o método de dimensionamento de pavimentos da Austroads (2017) recomenda o uso da pressão de pneus de 750 a 800kPa. Na África do Sul, o método de dimensionamento oficial da South African National Roads Agency (2013) utiliza como referência a pesquisa de Theyse et al. (2011), onde o autor recomenda uma pressão de enchimento de pneus de 650kPa. Contudo, o manual da South African National Roads Agency (2013) indica que o valor de 750kPa é o mais utilizado para análises mecanísticas na África do Sul.
No Egito, Motaleb (2007) realizou uma investigação de campo em rodovias e aferiu a pressão de inflação em 1618 pneus. O autor observou pressões de enchimento de pneus variando de 650 a 987kPa, e recomenda que as análises estruturais de pavimentos sejam realizadas com pressões de pneus de 910kPa. Em Portugal, segundo Alves (2016), o método utilizado para dimensionamento de pavimentos consiste em um modelo empírico-mecanístico semelhante da metodologia proposta pela SHELL (1978) e com algumas diretrizes do manual de concepção de pavimentos para a rede rodoviária de Portugal (JAE, 1995), sendo utilizada a pressão de pneus de 689kPa.
Nos Estados Unidos da América, o Mechanistic-Empirical Pavement Design Guide (MEPDG) foi desenvolvido pela American Association for State Highway and Transportation Officials (AASHTO, 2008) em conjunto com a National Cooperative Highway Research Program (NCHRP) e a Federal Highway Administration (FHWA). A AASHTO (2008) indica em seu manual de dimensionamento de pavimentos que a pressão de enchimento de pneus de 840kPa foi utilizada para calibração das equações de desempenho e, por conta disso, sugere que seja utilizado também esta pressão em análises e dimensionamentos de pavimentos.
E no Brasil?
No Brasil, o método descrito no manual de dimensionamentos do DNIT (2006) foi desenvolvido por Souza (1979) com base no método de dimensionamento de pavimentos proposto por Turnbull, Foster e Ahlvin (1962). O método considera o fator de equivalência de carga da USACE, no qual o dano total é avaliado em relação as deflexões causadas em um meio elástico, homogêneo e isotrópico. O método descrito pelo DNIT (2006) não informa qual é a pressão de enchimento dos pneus, contudo, por ser um método de dimensionamento proposto inicialmente na década de 1960, a pressão de enchimento dos pneus pode ser considerada de 490kPa a 560kPa. No estado de São Paulo, o método de dimensionamento do DER SP (2006) sugere que a verificação mecanística da estrutura do pavimento seja realizada com a aplicação de quatro pontos de carga de 20kN e com pressão de contato pneu-pavimento de 560kPa.
Mas será que essa pressão é representativa para os pneus que trafegam pelas rodovias brasileiras?
Cava (2021) realizou uma pesquisa na rodovia de alto volume de tráfego e coletou a pressão de enchimento em uma amostra de 1860 pneus de veículos comerciais. O autor observou apenas 1,35% dos pneus analisados apresentavam pressão de enchimento dos pneus compatível com a do eixo rodoviário padrão. Ou seja, 98,65% da amostra apresentava pressões maiores do que as utilizadas no método de dimensionamento de pavimentos do Brasil, conforme Figura 3.
Figura 3 – Distribuição da pressão de enchimento dos pneus (CAVA, 2021).
Quanto a pressão de enchimento dos pneus afeta a vida útil dos pavimentos?
A pressão de enchimento dos pneus de veículos rodoviários é uma variável que afeta principalmente o desempenho de pavimentos rodoviários quanto à fadiga. Por meio de análises estruturais em pavimentos, observa-se que quanto menor a espessura do revestimento asfáltico, maior é a influência que deste parâmetro nas respostas estruturais. Pavimentos esbeltos, isto é, com revestimentos asfálticos delgados, podem sofrer uma redução de vida útil de até 90%. A medida que a espessura do revestimento asfáltico aumenta, a estrutura apresenta uma maior rigidez à flexão e, dessa forma, a influência da pressão de enchimento dos pneus diminui nestas estruturas. Observa-se que as estruturas com revestimento de 150mm apresentam uma redução de vida útil menor, conforme Figura 4.
Figura 4 – Vida útil à fadiga em função da pressão de enchimento dos pneus (CAVA, 2021).
Com base na revisão bibliográfica e dos exemplos citados neste artigo, observa-se que os pavimentos os pavimentos rodoviários são dimensionados considerando uma certa configuração do eixo rodoviário padrão que, na verdade, não é mais representativa. Além disso, pode-se dizer que a espessura mínima de revestimento asfáltico utilizado nos métodos de dimensionamento de pavimentos necessita de uma atualização em função da variação tecnologica dos pneus. Cava (2021) observou que a espessura de 50mm, dada como mínima e que foi estabelecida para pressões de pneus de 560kPa, deveria ser modificada para pelo menos 110mm devido à pressão de pneus radiais.
Existem diversos outros aspectos que podem ser abordados devido à pressão de enchimento dos pneus e sua influência no desempenho de pavimentos rodoviários. O intuito deste artigo é mostrar sobre a necessidade de atualização deste parâmetro nos métodos de dimensionamento de pavimentos. As análises aqui citadas mostram a relevância da pressão de pneus nas respostas estruturais e, consequentemente, na redução de vida útil dos pavimentos rodoviários.
A influência deste parâmetro pode ser apresentada também em função da redução da confiabilidade em projetos de pavimentação. Contudo, este assunto ficará para um próximo artigo aqui no Além da Inércia. Se você gostou deste artigo, não deixe de compartilhar com os amigos!
REFERÊNCIAS
AASHTO. Mechanistic-empirical pavement design guide: a manual of practice. American Association of State Highway and Transportation Officials, Washington, DC, 2008.
ALVES, N. B. P. Dimensionamento de pavimentos rodoviários: comparação entre diferentes metodologias. Faculdade De Ciências E Tecnologia Da Universidade Nova De Lisboa: Dissertação de Mestrado, 2016.
CAVA, F.H. Análise da influência da pressão de enchimento dos pneus e da condição de aderência entre camadas no dimensionamento de pavimentos flexíveis. Dissertação de Mestrado: Escola Politécnica da USP, São Paulo, 2021.
CHOWDHURY, F; RALLINGS, R. A survey of truck tyre pressures in Tasmania. Road & Transport Research, Vol. 3, No. 3, Pp. 80-9. September 1994.
DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO – DER SP. IP-DE-P00/001 Projeto de Pavimentação. São Paulo, Janeiro, 2006.
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES (DNIT). Manual de Pavimentação. Publicação IPR 719. 3° Edição. Rio De Janeiro, 2006.
JAE. Manual de concepção de pavimentos para a rede rodoviária nacional, junta autónoma de estradas, Lisboa, Portugal, 1995.
MOTALEB, A. Impact of high-pressure truck tires on pavement design in Egypt. Emirates Journal for Engineering Research, 12 (2), 65-73, 2007.
SHELL. Pavement design manual: asphalt pavements and overlays for road traffic, Shell International Petroleum Co. Ltd, London, Uk, 1978.
SOUZA, M.L. Método de projeto de pavimentos flexíveis. 2 ed, atual. Rio De Janeiro: IPR, 1979.
THE SOUTH AFRICAN NATIONAL ROADS AGENCY. South African pavement engineering manual (SAPEM). Republic of South Africa, 2013.
THEYSE, H.L; DE BEER, M., MAINA, J.W., KANNEMEYER, L. Interim revision of the South African mechanistic empirical pavement design method for flexible pavements. Proceedings of the 10th International Conference on Asphalt Pavements for Southern Africa (Capsa), 2011.
TURNBULL, W.J; FOSTER, C.R; AND AHLVIN, R.G. Design of flexible pavements considering mixed loads and traffic volumes. Proceeding International Conference on The Structural Design of Asphalt Pavements, August 1962, pp. 821-825.
WONG, J.Y. Theory of Ground Vehicles. Toronto, 2001.
Conteúdo extremamente valioso e pouco ou nada abordado na graduação, parabéns pelo trabalho.