O Asfalto Borracha é um Asfalto Ecológico?

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Figura 1 – Asfalto Borracha é um asfalto ecológico? Fonte da Figura: https://ecoinforme.com.br/

A cada dia milhares de veículos são produzidos no Brasil e no mundo. Segundo o blog Motor 1, de Janeiro a Setembro de 2019 foram produzidos mais de 2 milhões de carros no Brasil com base em dados fornecidos pela Anfavea – Associação Nacional dos Veículos Automotores.

De acordo com o site da Auto Esporte , apenas em 2017 a frota brasileira de veículos cresceu cerca de 1,2%. Com a facilidade de financiamentos, o que não quer dizer juros menores, o número de pessoas adquirindo veículos cresceu e resulta na diminuição no número de habitantes para cada veículo no Brasil, conforme observamos na Figura 2.

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Figura 2 – Número de habitantes por veículo em função do ano. Fonte da Figura: Sindipeças (2019)

Ou seja, se o número de veículos aumentou com o passar dos anos podemos dizer que o número de pneus também. Segundo a ANIP – Agência Nacional da Indústria dos Pneumáticos (2017), de 2006 a 2016 ocorreu um crescimento na produção de mais 13 milhões de pneus anuais, conforme Figura 3.

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Figura 3 – Produção de Pneus por ano em milhões de unidades. Fonte da Figura: ANIP (2017)

Além disso, conforme os carros vão sendo utilizados para viagens e passeios, por exemplo, os pneus começam a sofrer degradação e é necessária a troca do conjunto para manter a segurança, gerando um resíduo. O ciclo de vida dos pneus é composta pelos seguintes estágios:

  • Extração
  • Produção
  • Consumo do Pneu
  • Coleta de Pneus Usados
  • Gerenciamento dos Resíduos

Dessa forma, o número de pneus cresce exponencialmente ano a ano. Um fator que gera preocupação é a questão ambiental relacionada ao descarte de pneus considerados inservíveis, pois estima-se que estes tenham uma decomposição em aproximadamente 600 anos. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2016) o decarte em locais inapropriados pode resultar em acúmulo de água e proliferação de mosquitos transmissores de doenças como Dengue, Chikungunya e Zika, conforme Figura 4.

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Figura 3 – Descarte inapropriado de Pneus. Fonte da Figura: https://www.gazetasaomateus.com.br/

O que fazer com os pneus inservíveis então?

Em 1999 foi aprovada a resolução N° 258 do CONAMA que estabelece responsabilidade para os fabricantes, e importadoras de pneus no Brasil, de coletar e dar um destino final apropriado para estes pneus. Ou seja, as empresas responsáveis devem garantir que o pneu inservível não seja colocado em local que possa gerar doenças para a população de forma indireta. Em 2009 a resolução foi atualizada para N° 416 e o IBAMA é o órgão responsável por garantir essa resolução e punir os infratores.

Mas do que é feito o pneu?

Os pneus são compostos por borracha natural, borracha sintética, negro de fumo, tecido de nylon, fibras de aço e aditivo, como tintas e óleos. Estes apresentam ainda polímeros como Estireno-Butadieno-Estireno (SBS) e Borracha de estireno butadieno (SBR). Contudo, a composição de borracha natural e sintética muda em função do tipo de veículo, conforme a Tabela 1.

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Tabela 1 – Composição do pneu em veículos de passeio e comerciais. Fonte: Hassan, 2012.

Em decorrência dos fatores ambientais, o reuso do pneu começou a ser estudado em diferentes níveis para beneficiar a indústria e diminuir os resíduos, dentre elas a recuperação granular.

A recuperação granular consiste no processo de trituração e moagem da borracha do pneu obtendo um resíduo de granulometria específica para reaproveitamento na Engenharia Civil, por exemplo na pavimentação. Segundo a ANTT e CCR (2017), a granulometria da borracha varia de 460mm até 13mm na trituração e quando esta passa por moagem pode chegar a até 0,3mm, sendo definido como pó de borracha. A Figura 4 ilustra a granulometria da borracha utilizada na Pavimentação.

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Figura 4 – Granulometria da Borracha. Fonte: ANTT e CCR (2017)

Como surgiu o Asfalto Borracha?

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Figura 5 – Engenheiro Charles McDonald, criador do Asfalto Borracha. Fonte da Figura: http://www.rubberpavements.org/

Segundo a ANTT e CCR (2017) a primeira utilização da borracha na pavimentação ocorreu aproximadamente em 1930, contudo, esta foi utilizada para selagem e atividades de manutenção em pavimentos.

Na década de 60, o engenheiro e pesquisador Charles McDonald buscava materiais asfálticos que apresentassem boa flexibilidade na temperatura ambiente. O engenheiro percebeu que a borracha de pneu moída apresentava boas características elásticas e, por conta disso, estudou a influência do teor de borracha adicionada na mistura asfáltica, tipo de borracha incorporada, tempo e a temperatura necessária para produção.

McDonald observou que a mistura asfáltica resultante da mistura com borracha apresentava ótimas características quando produzidas em altas temperaturas, patenteando a técnica em 1978. Embora realizada de forma empírica e simples, os ensaios realizados por McDonald permitiram estabelecer que a mistura asfalto borracha deveria apresentar:

  • Mínimo de 15% em massa de borracha no Asfalto para adquirir viscosidade e a elasticidade necessária;
  • Temperatura de 177°C e mínimo 45 minutos de mistura para otimizar a produção da mistura;

Ao longo dos anos, vários países começaram a estudar e aplicar o asfalto borracha em obras. Segundo Bernucci et al (2008), a primeira aplicação do Asfalto Borracha no Brasil foi na BR 116/RS em agosto de 2001.

Formas de Incorporar a borracha em Misturas Asfálticas

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Figura 6 – Diferença entre CAP convencional (a) e Asfalto Borracha (b). Fonte: Bernucci et al (2008)

A Borracha pode ser incorporada nas misturas asfálticas através de 2 métodos, sendo eles:

  • Processo úmido (Wet Process)
  • Processo Seco (Dry Process)

No primeiro, processo úmido, a borracha é triturada e moída conforme descrito acima e incorporada ao CAP em elevada temperatura. Dessa forma, ocorre uma modificação do ligante asfáltico chamado de Asfalto-Borracha. Já o processo de via seca, a borracha triturada é adicionada na mistura asfáltica como parte dos agregados da mistura, sendo chamada de Agregado-borracha.

No Brasil, o processo de via úmida é o mais utilizado e está descrito na DNIT 111/2009. O Quadro 1 apresenta os requisitos do ligante segundo a norma DNIT 111/2009.

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Quadro 1 – Requisitos para Asfalto Borracha. Fonte: DNIT 111/2009.

Qual o processo de fabricação do Asfalto-borracha?

O ligante asfáltico modificado pela incorporação de borracha moída, via úmida, pode ser classificado conforme seu processo de fabricação e consequentemente se é estocável ou não.

O sistema estocável é conhecido como Terminal Blending, ilustrado na Figura 7, e consiste em misturar partículas finas de borracha moída (passantes na peneira #40) em um terminal especial. Este processo faz com que o material seja homogêneo, ou seja, apresente estabilidade e permite que seja estocável. No processo Terminal Blending a borracha é misturada ao ligante em elevadas temperaturas (maiores que 177 °C) por agitação em alto cisalhamento, resultando em uma mistura com menor viscosidade.

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Figura 7 – Etapas do processo úmido (terminal blending). Fonte: Bernucci et al (2008)

Por estar submetida a elevadas temperaturas, ocorre a despolimerização e a desvulcanização da borracha com as moléculas do CAP, os quais serão explicados adiante.

O Sistema não-estocável é conhecido como Continuous Blending e consiste na produção do asfalto modificado com equipamento misturador na própria obra. Nesse sistema, por não apresentar homogeneidade e estabilidade, a mistura deve ser aplicada imediatamente após a produção.

Há ainda um terceiro sistema chamado de Just-in-time, o qual consiste em um processo não estocável em que a borracha moída é incorporada ao CAP minutos antes dos agregados com agitação em baixo cisalhamento. Este processo permite o uso da borracha com granulometrias maiores e aumenta a viscosidade da mistura através de um processo de inchamento superficial da borracha nos maltenos do CAP, mas não ocorre a despolimeração e a desvulcanização.

Como a borracha modifica o Asfalto?

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Figura 8 – Asfalto Borracha. Fonte da Figura: https://www.romanelli.com.br/

Durante o processo de fabricação do Asfalto-borracha, chamado de digestão ou cura, ocorrem mudanças físico-químicas que alteram e modificam as propriedades do ligante asfáltico. A modificação de um ligante asfáltico através da incorporação da borracha de pneu ocorre através de 2 principais mecanismos de interação já mencionados nesse artigo.

O primeiro mecanismo é a expansão das partículas da borracha, o qual consiste no aumento do volume da borracha devido a aborção dos óleos aromáticos do ligante asfáltico nas cadeias de polímero. Com o aumento da temperatura, a expansão forma um gel que aumenta a viscosidade do asfalto.

O segundo mecanismo é a vulcanização e despolimerização, o qual consiste de uma reação química entre a borracha e o asfalto. Essa reação química reduz as moléculas do asfalto borracha em moléculas de menor peso molecular.

Segundo Navarro et al (2004) cerca de 85% da borracha adicionada no asfalto permanece insolúvel após o processamento, sendo que o comportamento da mistura é dependente desses componentes solúveis e insolúveis.

Temperatura e tempo de digestão

Segundo Boulding et al (1990) os ligantes de menor consistência (maior penetração) seriam mais compatíveis com a borracha. Além disso, a borracha utilizada também influencia no resultado final do asfalto modificado.

Outro fator que afeta diretamente a qualidade do produto é a temperatura e o tempo de mistura. Segundo Aderlrahman e Carpenter (1999), em temperatura baixa, aproximadamente 160°C, ocorre o inchamento das partículas por meio da absorção dos maltenos pela borracha e em temperatura elevada, aproximadamente 240°C, ocorrem as reações químicas que resultam na desvulcanização e despolimerização da borracha

Asfalto Borracha é ecológico?

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Figura 9 – Emissão de gases em misturas asfálticas. Fonte da Figura: https://msgoncalvesadvogados.wordpress.com/

Conforme mencionado, o asfalto borracha surgiu como uma forma de obter misturas asfálticas com boa flexibilidade. Contudo, com o tempo ela começou a ser considerada como uma solução para reuso da borracha de pneus inservíveis e ganhou um apelo mais ecológico.

Embora permita sua utilização como modificador de ligante, a produção de asfalto borracha necessita de uma temperatura elevada (aproximadamente 240°C para ocorrer desvulcanização e despolimerização) de fabricação. O aumento da temperatura e do tempo de produção resulta também num acréscimo nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), devido o aumento no consumo de combustíveis fósseis. Além disso, o material asfáltico aquecido forma fumos de asfalto que são prejudiciais para a saúde, conforme Figura 10.

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Figura 10 – Fumos de Asfalto. Fonte da Figura: http://tribunaregionaldalapa.com.br/

O Asfalto Borracha do processo Terminal Blending precisa de agitação em alto cisalhamento e segundo LaRoche et al (2008) a velocidade de agitação está diretamente relacionada com a intensidade de emissão de compostos orgânicos totais (Compostos orgânicos voláteis + Aerossois), sendo alguns destes considerados como cancerígenos.

Ou seja, o asfalto borracha contribui para o meio ambiente através da incorporação de um material inservível, mas o seu processo de fabricação aumenta a emissão de gases de efeito estufa, aumenta o consumo de combustíveis e pode ser prejudicial para trabalhores devido a emissão de fumos de asfalto.

Isso quer dizer que o Asfalto Borracha é ruim?

É claro que não.

Autores como Sousa et al (1999), Oda (2000), Pinheiro (2004) e tantos outros estudaram o comportamento dessas misturas e verificaram suas propriedades mecânicas e sua viabilidade técnica. Sousa et al (1999) mostrou que as misturas asfálticas com ligante de asfalto borracha apresentam menos enrijecimento devido o envelhecimento, quando comparado com misturas convencionais. A Federal Highway Admnistration (2017) mostrou que o asfalto borracha possui resistência ao envelhecimento.

Oda (2000) mostrou que a adição de borracha no ligante asfáltico melhora as propriedades de resistência ao acumulo de deformação permanente e de resistência à formação de trincas de fadiga.

Em relação ao custo, nos Estados Unidos da América os custos nos primeiros anos são iguais aos de mistura asfálticas convencionais, contudo, devido a sua resistência maior a alguns defeitos esse custo acaba sendo reduzido futuramente, conforme observado por Way et al (2011) na Figura 11.

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Figura 11 – Custos de CAP convencional e Asfalto Borracha. Fonte: Way et al (2011) modificado por ANTT e CCR (2017).

Por fim, as mistura asfálticas com uso de ligante asfalto borracha podem ser soluções interessantes e que apresentam diversos benefícios. Do ponto de vista estrutural, a resistência a defeitos como trincas de fadiga e deformações permanentes é benéfica e permite redução de custos de manutenções, como ilustrado na Figura.

Agora, o termo asfalto ecológico atribuído ao asfalto-borracha parece um pouco exagerada e apenas de cunho comercial, tendo em vista os outros aspectos ambientais aqui relacionados.

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Fontes:

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PINHEIRO, J.H.M. “INCORPORAÇÃO DE BORRACHA DE PNEU EM MISTURAS ASFÁLTICAS DE DIFERENTES GRANULOMÉTRICAS“. Dissertação de Mestrado: Fortaleza, 2004.

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